A Importância da Autonomia

Édipo” por Jean Dominique Ingres (1780-1867)

*Por Holgonsi Soares

“Se quisermos ser livres, ninguém deve poder dizer-nos o que devemos pensar” (Castoriadis).

Anthony Giddens, ao trabalhar as principais questões do debate ideológico contemporâneo, coloca-nos como central o conceito de “sociedade pós-tradicional”, ou seja, aquela na qual o homem é obrigado a abdicar da rigidez das idéias, atitudes e tipos de comportamentos fundamentados no sistema de valores tradicionais. Esta é a sociedade na qual estamos vivendo, e cujas características são mais evidentes de acordo com a intensificação do processo de globalização. Como é da natureza da História, cada contexto histórico concreto coloca suas condições de sobrevivência. A vinte anos atrás, quando a hierarquia estava em alta exigia-se obediência cega, humildade e concordância. Hoje porém, na sociedade pós-tradicional, exige-se o oposto, e a autonomia é condição básica para conviver com os riscos, as incertezas e os conflitos dessa sociedade.

Inicialmente foi no mundo da produção, quando a racionalidade tecnológica colocou como pré-requisitos o domínio do conhecimento, a capacidade de decidir, de processar e selecionar informações, a criatividade e a iniciativa. Somente um indivíduo autônomo consegue manejar com estes elementos, que diferenciam radicalmente a fábrica pós-fordista da fordista. Porém ao mesmo tempo que estes pré-requisitos pressupõem indivíduos autônomos, acabam influenciando no desenvolvimento da autonomia dos mesmos. Dessa forma, a autonomia tornou-se uma necessidade material; mas não está mais restrita apenas à esfera da produção, e envolve agora todos os domínios da vida contemporânea.

Assim, é também uma necessidade emocional, uma vez que os indivíduos precisam desenvolver uma efetiva comunicação entre si, numa sociedade em que o diálogo molda a política e as atividades. A falta de autonomia no âmbito psicológico, obstaculiza as discussões abertas, gera violência e impede a manifestação plural; como diz a cientista social A’gnes Heller, “é uma afronta a autonomia do Outro”. Portanto a autonomia psicológica é necessária para se entrar em efetiva comunicação com o Outro, num diálogo que ocupa um espaço público no qual “todas as facções discutem entre si numa relação simetricamente recíproca”(Heller), livres do uso da coerção e da retórica.

É uma necessidade sócio-cultural, uma vez que a nova sociedade traz, em suas contradições produtivas um amplo movimento cultural de superação de velhas concepções de mundo, exigindo uma nova direção das relações sociais e a elaboração de um novo comportamento chamado “reflexivo”. Sob este aspecto, a autonomia torna-se necessidade política pois somente um indivíduo autônomo possui condições de entender as contradições do mundo globalizado, questionando-as e agindo no sentido de canalizar as oportunidades para mudanças qualitativas.

Por tudo isso a autonomia tornou-se condição de sobrevivência para os indivíduos na sociedade pós-tradicional. Somente um indivíduo autônomo terá sucesso nas esferas econômica, psicológica, sócio-cultural e/ou política, pois é um indivíduo que interroga, reflete e delibera com liberdade e responsabilidade, ou como diz Castoriadis, “é capaz de uma atividade refletida própria”,e não de uma atividade que foi pensada por outro sem a sua participação. Espero que todos os envolvidos com o processo educativo (formal e informal) reconheçam a importância da mesma, e estejam trabalhando para favorecer a autonomia individual e consequentemente coletiva, pois é assim que nos tornaremos “conscientes e autores de nosso próprio evolver histórico” (Castoriadis).

*Holgonsi Soares é Prof. Ass. Depto. De Sociologia e Política da Universidade Federal de Snata Maria (UFSM/RS)

Deixe um comentário